sábado, 27 de setembro de 2014

Ombros Caídos


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Sobre as dormideiras, move-se o asfalto,
O corpo perfumado nunca esteve tão arável,
O prazer dos caminhos é de um negro agradável,
Sob uma picada de agulha expande-se um planalto,
Papoilas suspensas crescem na calva planície inabitável,
Abismos de prazer, tomam-nas num abismal sobressalto
Dependem e deixam-se pender,
Suspensas, deixam-se anoitecer;
De braços afiados, escólimos adivinham a vertigem lá no alto,
Secam-se em seus abraços abertos à queda pouco provável,
Vertiginoso é o desejo aguçado, do se perfume já falto,
A papoila negra solta uma pétala inviolável,
      E procura-se na eternidade do amanhecer!...

Passo com a apatia de meus passos entre pétalas caídas,
Não me importo com meus ombros cansados que caem,
Passo ao lado dos passos das flores perseguidas,
Concluo-me aos olhos das possíveis saídas,
   Por onde os sonhos perdidos não saem,
      E desisto das batalhas perdidas!...
    
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sábado, 20 de setembro de 2014

Teoria Absoluta da Liberdade Relativa


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Não fora suposto relacionar,
Quatro bigodes de gato, por cada gato, a dar,
Eram trinta pardos de janeiro, os famintos gatos,
Trinta e um se, por sete vezes, quisermos ser exatos,
E menos um gato de fevereiro, que já era suposto faltar;
 Seriam os pelos mais duros em seus sentidos mais latos,
Os voluntários à força que a fome soube forçar,
Soltaram os 366 miados mais abstratos,
     Mas depressa deixaram de miar!...

A felicidade numa gaiola é relativa,
Como relativa é a felicidade da própria gaiola;
Um passarito baloiça no poleiro de sua perspectiva,
Uma gaiola vê-se fechada no coração de sua tentativa,
Prisioneiros de uma argola livre, presa a outra livre argola,
Solta-se um dos muitos bigodes de gato e abre-se uma alternativa,
Se mais bigodes de gato se soltassem!…
Se as argolas, delas se libertassem!…
Um gato sem bigodes, preso do lado de fora, arranha uma viola,
Sem cordas nem bigodes, sem força nem desespero, mia uma esmola,
Na gaiola feita de bigodes de gato, há uma esperança contemplativa,
Os bigodes vão crescendo no gato e caindo da gaiola evasiva,
Sem perguntas, as respostas são vagas nos elos da escola,
O coração não aprende e os gatos são atitude passiva;
Se, pelo menos, os gatos miassem!…
Se os corações frios sangrassem!…
Se houvesse uma relação entre a liberdade dos gatos orgulhosos,
E os corações, livres de pelos desesperados, livres e carinhosos!…
Se as lágrimas presas nas lágrimas não secassem!…
Se a relatividade não fosse chave de prisão na mão dos poderosos,
Ou um pelo, em desespero, à espera que o arrancassem!…

Gaiolas em projecto,
Corações em gaiolas projectadas,
Gatos fechados em gaiolas relativadas,
Corações de passaritos em prisões sem tecto,
  Relativismos de liberdade com gaiolas relacionadas!...
   
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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A Culpa da Formiga


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Diz quem assistiu,
Que em consciência concordava;
A formiga nada fazia e só trabalhava,
Afirma quem viu,
Que até o Sol a formiga carregava,
Provocando a sombra que descansava,
Juram que a formiga nunca desistiu,
Até há quem jure que ela se riu,
Da sombra por onde passava,
    E com sua sombra fugiu!...

A ter de haver quem toda a culpa carregue,
Tal carrego é todo da trabalhadora formiga,
Oh, será dada a justiça por bem empregue,
Oh, ó deus que vives em nossa farta barriga,
 Só tu sabes o quanto nos causa tanta fadiga,
Fugir da formiga que sempre nos persegue,
Com o seu trabalho que nos obriga,
    À fuga que logo se segue!...

E, Deus…
Em sua divina justiça,
Com muita fé, reza quem viu,
Mandou a sombra da preguiça,
      Para a culpa que a pariu!...
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terça-feira, 16 de setembro de 2014

Ultraje


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E a tua bandeira insignificante,
Sem cor nem digno significado,
É a cor que resta, não obstante,
Já haver tido cores de diamante,
Ter sido ouro do teu país amado,
Cores do teu orgulho roubado,
As cores de uma glória distante,
O traje glorioso agora ultrajado,
   Pelo seu povo agora ultrajante!...

Agora os cães já não mordem,
Pobres são tratados como cães,
São violadas filhas e suas mães,
Antes que os homens acordem,
Dorme um país em desordem,
Dos soníferos políticos reféns,
 E haja quem ladre sem ordem,
  Soltam-se os açaimes alemães,
     Das vis sombras que mordem!...

 Sombrios, os olhos descorados,
Brancos medrosos e mordidos,
Sombrios, uns cães resignados,
Lambem a sombra, revoltados,
E das suas bandeiras despidos,
Vestem os seus olhos apagados,
Para uma débil luz são atraídos,
Ilusão obscura dos atraiçoados,
   Onde homens andam perdidos!...


Ao longe vês um cão de pata alçada,
Debaixo dele definha uma bandeira,
Ao longe, vês uma velha costureira,
Nas mãos há uma bandeira rasgada,
Perto de ti há uma bandeira mijada,
Mais perto, cresce uma estrumeira,
A agulha perde as linhas à tua beira,
A tua bandeira está em ti enterrada,
  Conspurcada por ti, mal ela cheira!...
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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Gourmet X





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O mamilo saliente,
Levemente gengibre e rosado,
Um doce polvilho de sopro e pecado,
Uma pitada de desejo controlado e quente,
Deixar escorrer um fio de beijo úmido e desejado,
 Umedecer o desejo com desejo de papila suave e indecente,
Lamber um pouco de sal do corpo e contornar o mamilo suavemente,
Acrescentar ao paladar o prazer irresistível de querer ser provado,
E mordiscar os lábios nervosos sem resistir à tentação ardente,
    De penetrar a dureza doce na acidez do sabor aveludado!...

Abre-se o próximo beijo à passagem para a sobremesa,
Vira-se o desejo bem quente antes que o prato arrefeça,
O reverso é tentador e dá-se a mostrar atrás da defesa,
Um lubrificante beija o angusto pecado dado à surpresa,
Com um travo de escorregadios aperitivos,
O deslize apodera-se de órgãos sensitivos,
Atrás do prato, o prato deseja que o deslize aconteça,
Desliza com cuidado antes que a vontade desapareça,
     Não há contas a fazer, é o prazer que paga a despesa!...

À mesa feita de mal cozinhados tabus,
Provam-se estranhos beijos intuitivos,
Há cozinhas de cuzinheiros bem vivos,
Cozinham os desejos que comem crus,
   Gourmet de novos sabores primitivos!...
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quarta-feira, 10 de setembro de 2014

(im)Postura

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…perturbação entre a dúbia mistura,
Dúvida e certeza e início concludente,
Na cruz, o pior de retro, à frente a lisura,
A fé líquida no chão, sobre ela a espessura,
A percepção esgueirada e temente,
A vénia urgente,
O lustrar da moldura,
A obediência da figura,
Sagrada loucura patente,
Na arrogância pertinente,
E a ostentação impura,
Da pureza descrente,
     Crente na postura!...

O resto da mão,
O Coração e o que resta,
O beijo, a baba e resto da razão,
A primeira cruz impiedosa na testa,
A distância à distância do perdão e o perdão,
O castigo auto infligido e a obrigação,
A curva do ímpio que se presta,
E os curvados em conversão,
Os olhos arrancados do chão,
A raiz desenterrada e a floresta,
    E Deus acima do que é permitido ver!...
E o maior pecado!...
A elevação do olhar e espírito elevado,
O pecado da falta de razão de viver,
A falta de vida e nunca morrer,
O que podia ter faltado,
-E faltou-
A falta que Deus perdoou,
E entre os deuses, Deus impossível de ter,
Sem que jamais chegasse a entender,
Porque Deus não o olhou,
Se tudo fez para o merecer,
   E se pecado houve, foi por Ele que pecou!...
Ou…
Pelas portas que se foram trancando,
E o trancaram num deus do qual não se libertou,
E sem saber que pecando,
Desde que Deus o criou,
    Com Ele se foi libertando!...

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 Os reis estão em muitas barrigas,
Deus não enche a barriga a ninguém,
Alguns donos de Deus são divinas desobrigas,
Dispensados do pecado comem com serpentes inimigas,
Engordam com todos os pecados que lhes sabem tão bem,
Dos dez mandamentos apagaram-se as intolerâncias antigas,
  A luz deveria libertar e está nas mãos da impostura que a tem!...
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