segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Açafrão de Outono



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Era perfume que lhe dava,
Perfumadas pétalas do seu amor,
Demasiado tarde viu que lhe faltava,
O perfume único da sua única flor,
 E começou a odiar!...

Nada mais tinha para dar,
Um anjo ainda lhe rogou: -Por favor,
Deixa-me ser a esquecida sepultura da tua dor,
E cobre-me com todas as flores que puderes beijar,
Não deixes que, nem uma só, morra sem sua cor,
Beija-lhes cada pétala que te quer perfumar,
Vê em cada flor, pétalas de mim!...

Cultivava em seu misterioso jardim,
Flores de mármore e um gélido mistério,
Insensível à lisa palidez do cabo de marfim,
Da sua vassoura feita com inodoro jasmim,
Varria pétalas vivas de odorífero adultério,
Sepultura aberta de um vazio sem fim,
  E da flor enterrada em seu cemitério,
    Depois de uma vida fugaz!...

Talvez repouse em paz,
Entre folhas caídas, ao abandono,
Reclamada por tantas dores e sem dono,
Nada sabia sobre se matar a dor seria capaz,
Tímida, renasceu uma pequena flor lilás,
  Poder sensível do açafrão de Outono!...

Talvez antes que a morte aparecesse,
Desaparecesse tanta dor da morte,
  Para que a morte não doesse!...
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terça-feira, 17 de outubro de 2017

Portas, Aldravas e a Chantagem

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Chantagem, diziam os homens duros,
Chantagem, diziam as suas mulheres escravas,
Eram os homens, de suas mulheres, senhores puros,
Eram as suas mulheres, em suas portas, as aldravas,
Mulheres que atrás de suas portas ficavam bravas,
    Homens, as suas portas para imutáveis futuros!...

Não se abrem as portas, por coscuvilhice,
Trancam-se as portas a qualquer aragem,
Por asfixia, morrem elas e eles, de velhice,
São eles, trancas à porta de quem as visse,
Atrás de tristes portas espreita a coragem,
Esconde-se atrás das portas a mensagem,
Escravos, escravizam escravas da sandice,
Prestam as portas, à aldrava, vassalagem,
Fechados atrás de trancas de tanta tolice;
Entre beijos, em viagem,
Entre abraços, passa uma miragem
 Meigas, as aldravas batem à porta,
Fecham-se as portas de cara torta,
 Para se aldrabarem na chantagem,
      Ali as fecham e pouco lhes importa!...

Passa uma mulher com seu homem, despidos,
Sorriem, riem e beijam-se como ninguém,
São pelas portas e aldravas temidos,
Deixam os chantageados divididos,
E as chantagistas também,
 Que, entre portas perdidos,
Escondidos como lhes convém,
Vendam suas janelas com desdém,
     E pela inveja de suas janelas são possuídos!...

Em casa, cada um faz o que deve,
Todos mandam no que é seu dever,
Por amor e respeito tudo lhes é leve,
Abrem suas portas a quem os quer ver;
Sempre despidos,
De suas almas nuas,
Sempre vestidos,
    De Almas suas!...


-Chantagem!...
Diziam os desalmados,
-Chantagem,
   Amam para serem amados!...
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quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Ansiedade e Vómito

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Nada do que é teu me é novidade,
Nem do que de ti não sabes, nada sei,
É o cúmulo de amargos onde já cheguei,
Nada sobre os prazeres da tua ansiedade,
   É prazer amargo sobre o qual não passei!...

O grão seco de arroz, amargo e intragável,
A carne apodrecida lentamente mastigada,
Nojento este sabor de ansiedade lastimável,
O arrependimento insensato e incontestável,
   Lástima azeda desta maldita fome vomitada…

E o vómito em revolta,
O enjoativo desconforto,
No maldito vómito absorto,
A maldita reviravolta que volta,
Esse quase desejo de estar morto,
   E o desejo de matar a ânsia que se solta…

O soltar dos enigmas e das lágrimas com fartura,
Essas amargas lágrimas que se abraçam com amargura,
E se rendem à estranha maldição da aparente própria culpa,
Como se, perdidamente, renascessem beijos de desculpa,
  Beijo que não se evapora na esperança de ternura!...

Sobre teu coração carregas as culpas do mundo,
Tu que és puro coração sem o mundo saber,
Deixas que te bata esse erro tão profundo,
  De não saberes que é um erro rotundo,
  Confundir uma fêmea vazia do seu ser,
       Com uma Mulher de amor fecundo!...

Nem uma das tuas lágrimas caídas,
Caíram na tristeza que me abraça o coração,
Me entristece, por minhas certezas, em tuas certezas perdidas,
Tão tristes são as tuas tristes lágrimas sobre tuas feridas,
Mas… acredita que há sempre uma razão,
Para as dores da puta da desilusão,
Quando as virgens são fingidas,
     E serem putas é sua condição!...

Nada do mundo, me é novidade,
Nada do que me é, me deixa indiferente,
É tão igual à prostituída falsidade,
Da prostituição por caridade,
Tão inata ao consciente,
De fazer falsa amizade,
E um amor ausente,
 Nesta sociedade,
      Muito doente!...
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segunda-feira, 2 de outubro de 2017

"Inconsolada", A Mulher de um Político

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São tuas preocupações,
Que, estampadas em meu rosto,
Entristecem em meus olhos o sol-posto,
És feliz em tuas longínquas funções,
E tão longe estão nossos corações,
E tão perto, este meu desgosto,
    Minhas secretas desilusões!...

Tão amante do teu sucesso,
Talvez tenhas tudo que querias ter,
São minhas noites claras, o amanhecer,
Com minhas negras olheiras te peço,
E deste meu despertar te confesso,
Quando regressares para me ver,
Também me podes foder,
    Antes do congresso!...

Poupo-te ao favor,
Do que não me sabes dar,
Escolheste outra família amar,
Sem olheiras, olhar de outra cor,
Pinto essas cores por cima da dor,
Para que o mundo possa acreditar,
Nessa tua vontade de me desejar,
Desejo público de fazer amor,
    Antes do comício acabar!...

Procuro em minha solidão,
O pai dos nossos filhos esquecidos,
Procuro votos, quero ganhar a eleição,
Sei que sou candidata à consignação,
E nossa família um pequeno Partido,
Onde nosso amor foi substituído,
Pela imagem sem coração,
Esse teu desejo perdido,
     Minha resignação!...
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