sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Atacadores


.
.
.


Depois do sonho que o atacava,
Abeirava-se da velha cama sonolenta,
E deparava-se com o que sempre sonhava;
Ali estavam eles sobre a bota que descansava,
Estendidos no sono de mais uma volta truculenta,
Mal desatados por mais uma noite de tormenta,
     Nas voltas solitárias que na noite o sobressaltava!...

Sentado à beira do abismo de estrito uso pessoal,
De braços atados pelo nó cego da cegueira da sorte,
Contemplava seus pés de um despido branco forte,   
Pendentes de uma crua indiferença quase vegetal,
A crescer no olhar vazio de um pálido vazio mental,
   Já sem as lembranças vivas da vida nem da morte!...

Escolheu vinte dias em que ficou descalço no frio,
Entrou em dezanove abismos e saiu por cada ilhó,
Passou por todos eles como atacador de ponta só,
Até encontrar seu par atacador em igual desvario,
Uniram-se pelas botas num abraço de amorfo nó,
   Fazendo-se ímpar atacador de fatal nó corredio!...

Haurido pelo olho trespassado dos velhos ilhós,
Debruava buracos abertos ao silêncio das dores,
Cegos nós na garganta estrangulavam-lhe a voz,
Como quem ata olhos de solidão de homens sós,
      Ao silêncio de uma bota desatada por atacadores!...

Vinte ilhós e outros tantos longos dias depois,
Puxou tenazmente as pontas dos fortes atacadores,
Cada um apertou sua bota cheia de vidas anteriores,
 …e partiram os dois!...
.
.
.
 


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Santa Cega Fé


.
.
.



…o homem lá se apropriou da Fé dos crentes,
Para atingir clímax sobre o ouro do pedestal,
Aprendera a persuadir a cega luz da santa Fé,
Com a omissão dos pecados ricos de tanta Sé,
Sôfrega de ignorância e de corações doentes,
Flagela-se pelos vestígios do pecado original,
Ostentação pura do ouro em veste maternal,
Até à elevação de eleito deus, sendo quem é,
E só depois, santo por decretos convenientes,
Lavrados com o fino ouro de sábias mentes,
   Dos vulpinos que correm Cristos a pontapé!...

…queimam-se orações no inferno dissimulado,
No infernal abismo dos sorridentes e perversos,
    Com vaidoso fogo das almas vendidas ao diabo!...





.
.
.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Lágrima!...

.
.
.



Perto do sol que arrefecia,
Esgueirando-se do pôr do olhar,
Pelo desencanto dos olhos escorria,
Uma pequena lágrima que de tanto cintilar,
Teimava em fazer olhos apagados brilhar,
Escondidos na noite triste que sentia,
Algum amor que neles se erguia,
      Longe do desejo de amar!...
E ali ficava um corpo a arrefecer,
Gelando a esperança nas veias entristecidas,
Esvaziado de sua longínqua vontade de desejar,
Sem a vontade de encher-se com o desejo de viver,
Ali nos braços das más recordações consentidas,
Ao abandono das horas felizes esquecidas,
    Que amor algum deixaria esquecer!...
E ali se punha o sol sem aquecer,
Lançando raios de uma sedução cintilante,
Sobre a pequena lágrima em deslize periclitante,
Já muito perto de cílios vencidos pela indiferença;
E o raio dos raios sedutores,
Sementes de tão ofuscada descrença,
Na certeza de terem desferido a derradeira sentença,
Afastaram-se em suas vestes de sombra triunfante,
Alheios à sombra da mais silenciosa das dores,
E do grito sem destino engolido à nascença,
Para ser grito de gritos libertadores,
      Mas sempre tristes!...
E ali ficaram os olhos caídos,
Entregues à Vida de uma lágrima resistente,
Tão lágrima de uma vida desistente,
Ingénua de puros sentidos,
E do sentimento doente,
   Que não chora pelos vencidos!...
     E venceu!!!...
Quando se deixou cair,
Nos lábios já do beijo esquecidos,
Foi beijada por desejos sequiosos,
E outros desejos a reluzir,
Reanimados e luminosos,
Um novo olhar posto no porvir,
que graças à graça de intenso sentir,
   Por uma pequena lágrima foram renascidos!...



Peço a Deus,
Que perdoe pecados meus,
Que te seja lágrima de olhos em mim,
Perdão me concedido aos olhos teus,
 E que para sempre nos olhe assim,
Com a Esperança até ao fim,
    No perdão em olhos Seus!...
.
.
.