sexta-feira, 23 de maio de 2014

Dizendice do Amoranço e Odieira


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Nossa dormideira é doce minha e doce,
Deveras assolapada nesta caídeza por ti,
Esta abestalhada sintura ainda que fosse,
Fosse ela por ti e é em vistança do que vi,
Sentidão afundada em fanicos dados de si,
 O amoranço sem tino que em mim pôs-se,
    E põe-se na gozadura que nasce e que ri!...

Derreto-me aburricado e me alambuzo,
Pensadote na beijocada de tua linguaroca,
Meu cobrão cata-se em olhos na tua toca,
Enterradão no calo da manápula em abuso,
E amaluco-me pensadoiro na tua mamoca,
Alongo a língua ao melado dessa tua beijoca
      E eu madoido em amoranço e desaparafuso!...

Arremeteste-me toda nua para esta doideira,
Abriste-me com tuas pernonas escancaradas,
Arrebentou no meu tesudão uma comicheira,
Abusadonas as tuas mamalhonas descaradas,
      Foram-se lentas e doidas e nunca apalpadas!...

Acoitado que estava nas belgas da cumeeira,
Contava os caibros e vaginolas às punhetadas,
E buliam as manhosas nalgas estremunhadas,
Que á noiteca das tardes já cheia de canseira,
É ordenança obrigadona de ordens altivadas,
    E ai se não fossem amoranço, eram odieiras!...
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domingo, 18 de maio de 2014

Alumbramento dos Perfeitos


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Não negava ao olhar a vontade de se eximir,
Nos olhos estão as histórias que não se contam,
Outras histórias escondidas no olhar que quer fugir,
Não negavam o silêncio das histórias ficadas por ouvir,
Como olhos apagados que histórias de silêncio despontam;
Por cada silêncio, silêncios de outras histórias se aprontam,
E no vértice da pirâmide, um rádio não se cansa de difundir,
Paliam-se secretismos iluminados que não se confrontam,
Sobre a escravatura das pedras, o peso faz-se repetir,
     Esmaga-se a voz sob o silêncio que poucos apontam!...

Não negava o sonho ao vértice dominante,
Nem o pesadelo à esperança em futuros impossíveis,
Os olhares deverão ser hipnose de silêncios consumíveis,
O capitalismo obeso carrega o cume da pirâmide sufocante,
E, não obstante,
É leve a palavra livre escondida no olho do horizonte,
Longe do peso carregado pela oferta dos vícios aprazíveis,
E de outros vícios dados à felicidade da ignorância a monte,
E outras influências aos viciados mais suscetíveis…
Ácidos hipnóticos e a sucralose são irresistíveis,
Para lá da história dos olhos brota a fonte,
Nos rios dançam peixes invisíveis
Corre a água debaixo da ponte!...

Ainda por cima, e apesar de tudo,
Por cima das pontes e do controlado desalento,
O olho global move-se atento, num olhar de veludo,
Cega o resto da pirâmide que tem como escudo,
    É quase perfeito o poder do alumbramento!...

Não negava o silêncio no olhar,
Nem a nova ordem do encantamento,
    Assassina da velha ordem de o libertar!...
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terça-feira, 13 de maio de 2014

Convalescença


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Meio combalido,
Apanho uma estrela cadente,
Adormeço sobre meu ânimo caído,
E solevando-me até ao meu sonho diluído,
Sorrio à melancolia que se dilui suavemente;
É mágica a despedida da luz no sonho poente,
Encontra-se o sonho com o sorriso perdido,
     E despede-se da noite que se faz ausente!...

Ainda combalido,
Ofereço a estrela aos olhos meus,
Nasce o sol no meu olhar agradecido,
    Abro minha mão e liberto um adeus!...
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sexta-feira, 9 de maio de 2014

A.50



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Há sempre uma pequena aldeia,
Um pequeno espaço entre o tempo e o tempo,
Há sempre o tempo que permanece jovem na ideia,
E o outro tempo!...
O momento,
E a juventude que serpenteia,
Um pouco de sinuosa odisseia,
E por mais que se tente,
Faz-se o caminho em frente,
Como se fez o fazer do continuar,
O que fica e continua a ficar,
Folhas que caem suavemente,
Fazendo-se dimensão sem o pensar,
No longo limiar do caminho!...

Curtos os passos de um rapazinho,
Fraquinho e obra de um milagre qualquer,
O que se quiser e Deus que nos queira com seu carinho,
Só um bocadinho da sorte do merecer o amor que se quer,
E Merecer o que puder para ter Deus como vizinho!...

Há uma ideia muito vaga do leite,
As ovelhas sem pasto continuam a vaguear,
E às cabras sempre fora dado o privilégio de pastar
Tão forte foi a crendice milagrosas nas cruzes de azeite,
E a barriga benzida que sempre voltava a inchar;
Benditas cabras e seu leite para me alimentar…
Há uma certa nostalgia na cor dos velhos pastos,
Nos campos brancos a desvanecerem-se na mansidão,
E no silêncio da saudade daqueles tempos meio gastos,
Como… suaves espelhos transparentes e vastos,
Onde me perco numa imagem de imensidão,
E busco perder-me nessa nova dimensão,
     Até reflectir-me e acabar de rastos…
Voltar a beber aquele leite de cabra, eu pudera,
Carregar aquelas cruzes de azeite, quem me dera,
E sentir desinchar os anos modernos do remédio para tudo!...
Sinto a culpa do tempo neste olhar barrigudo,
Fosse o que fosse que o tempo quisera,
Os caminhos forrados de veludo,
Tapetes floridos de Primavera,
Com parte disso e, contudo,
    Já não é isso que era!...

 Do mesmo azeite em vez da brilhantina,
Aquela coragem de minha Mãe Valentina,
A aldeia e a gente de quem nunca me despedi,
O adeus adiado à escola, princípio do que aprendi,
Como aprender depressa e fazer a quarta na terceira,
E o fim das viagens com a essa professora verdadeira,
   Tão verdadeira quanto suas belíssimas pernas que vi!...

Pai!...
Meu Pai e sua morte,
A ironia do azar e da sorte,
A partida à pressa de quem não vai,
De quem acaba por ir e da aldeia não sai,
O ter que ser da mudança e a resignação forte,
      O destino infalível de quem se levanta quando cai!...

A chegada ao Bairro da Ponte,
As águas do rio e a água da fonte,
A própria fonte e um imediato apego,
Fronteiras do tempo e só depois Lamego,
A proximidade do longínquo horizonte,
O limite da aldeia e do seu sossego,
    A descida pela subida do monte…
Como o tempo indiferente,
A indiferença das horas e dos dias,
A escalada involuntária até à nascente,
Por entre dedos, o escoar das águas evidente,
Sonolentas águas mornas e o arrepio de águas frias,
    E a dúvida se aquela água não serei eu!...
Escoado em queda livre com os amigos,
Sem pensar naquilo que nos aconteceu,
 Enquanto caímos entre velhos castigos,
   A dádiva do tempo que Deus nos deu!...


Debaixo da ponte a água continua a correr,
Talvez as pedras saibam do aniversário dos caudais,
A força que nos leva barquitos de papel cheios de prazer;
Corremos para ambos os lados da ponte que nos viu crescer,
E apostamos na rapidez do nosso barquito do qual gostamos mais,
A montante corre forte a água que debaixo da ponte se vai esconder,
Esconde o barquito de papel que por momentos não podemos ver,
   Voltamos ao outro lado da ponte e não vislumbramos um cais!...
E lá vão eles, cada um carregado com os nossos anos,
Rio abaixo, saudado por bogas, trutas e bordais,
Deixando a saudade que cada vez pesa mais,
   No coração destes barquitos humanos!...

Olhamo-nos e ainda nos custa acreditar,
Sentimos tão perto as picardias de nossa inocência,
O tempo ensinou-nos a conviver com os anos de paciência,
E com os amigos que a distância entre margens fez separar;
Como distante era o juízo do nosso inexperiente olhar,
Sob os que marchavam numa fúnebre agência,
Aqueles velhos quarentões,
Muito velhos sem ilusões…
Somos tão Homens,
Cinquentões,
   E somos tão Jovens!!!...


Outras margens se encontraram,
Sabia das águas felizes no fim do inverno,
E da felicidade que os rios da vida trouxeram,
Há sempre uma Mulher a verter um sorriso materno,
E o apelo da outra corrente que a margens de amor fizeram,
Mulher, essa margem e rio que as águas do destino quiseram,
Margens encontradas no prazer de um bendito inferno,
   E os filhos, esses barquitos que homens se fizeram,
   Com as folhas que navegam no meu caderno!..
  
Hoje… entrego-me a uma certa nostalgia,
Os espelhos estão cada vez mais transparentes,
Vejo-me na imagem de todas as imagens aparentes,
E no reflexo concebível de uma espelhada Poesia,
   Que me faz igual a tantos 50 anos diferentes!...

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